segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Onde param as réplicas do terramoto de Lisboa?

Um terramoto atingiu Lisboa nos finais de Setembro pela mão da polémica lançada pelo Diário de Notícias, no âmbito das alegadas irregularidades na atribuição de casas camarárias. Desta vez não houve danos materiais mas os supostos danos a nível da classe política deveriam ser enormes.

Pelos vistos a atribuição de casas camarárias em Lisboa obedecia a um verdadeiro regabofe:
  • És amigo? Toma lá uma casinha.
  • És pobre, remediado, prontos, vais pró bairro social. É o que se pode arranjar.
  • És cá dos nossos? Tá bem, conseguimos ali uma casinha, não é nova, mas é bem situada.
Seriamos certamente inocentes ao pensar que esta situação é exclusiva de Lisboa. Provavelmente existirão dezenas de outras autarquias em que isso sucede, mas as ondas de choque tardam a chegar. A própria natureza das cumplicidades que se adivinham podem-no justificar. Cá pelo burgo só o nosso Bocage é que parece saber de algo.

Apesar de parecer haver por aí um concluio para que este assunto caia no esquecimento rapidamente (os telhados de vidro são mais que muitos e em todos os quadrantes políticos), vamos ter de esperar certamente pelos períodos mais quentes da campanha eleitoral para as eleições autárquicas para sabermos todos os podres duma gentalha (felizmente minoritária) que nos governa, que em vez de estar nesses locais com um espírito de missão ou dedicação à causa pública, quando se apanha com um bocadinho de poder tratam logo de subverter o sistema e tirar proveitos pessoais.
O tema interessa-me bastante e vou portanto continuar atento ao que se escreve e diz sobre a matéria.
Este artigo de opinião publicado no jornal Público mostra que felizmente continua a haver muita gente que não quer que este assunto caia num esquecimento muito conveniente.

Corrupção
Apenas me dei conta da dimensão do problema quando vi que Roberto Dell'Anno tem trabalhos publicados sobre o nosso país. Quando um professor de uma universidade do sul de Itália se aplica a investigar a corrupção em Portugal, podemos estar certos de que o problema atingiu dimensões consideráveis. As consequências da corrupção generalizada são conhecidas: é socialmente injusta, reduz a produtividade do sector público e cria distorções na economia privada, levando a más afectações de recursos e reduções no investimento. Tudo se traduz num crescimento económico mais baixo. Os efeitos são tão graves que o Banco Mundial declarou a corrupção como o maior obstáculo ao desenvolvimento económico e social.
Sabe-se quais os ambientes por onde os corruptos se movimentam. Em primeiro lugar, para haver subornos é necessário que haja agentes do Estado com poderes discricionários. Ou seja, alguém tem o poder de tomar decisões que influenciam a vida das pessoas e empresas. Em segundo, essas decisões têm de ter um valor económico, caso contrário não valia a pena pagar subornos. Finalmente, os corruptos gostam de instituições políticas, administrativas e judiciais fracas. As nossas leis e instituições são terrenos férteis para a corrupção, parecendo ter sido criadas com esse propósito. Basta pensar nos investimentos avultadíssimos que ficam à espera de uma decisão administrativa para os desbloquear. Com administrações politicamente comprometidas, com uma polícia que não investiga e com tribunais que não funcionam, um cidadão fica desprotegido. Paolo Mauro, num artigo do FMI, alerta para o perigo de se cair num equilíbrio armadilhado em que todos ficariam melhor se se acabasse com a corrupção, mas em que ninguém, individualmente, lhe pode fazer frente. Para sair desta armadilha, Aymo Brunetti e Beatrice Weder, prestigiados economistas suíços, elegem a imprensa livre como elemento central no combate à corrupção. Com uma imprensa descomprometida e competitiva, quanto mais generalizada a corrupção, maior o incentivo de um jornalista para investigar e denunciar.
Infelizmente, em Portugal, o quarto poder não conta. Incrédulo, tenho assistido à saga do meu irmão José Manuel de Aguiar, advogado de Coimbra, que, usando as suas prerrogativas de munícipe empenhado, tem vindo a denunciar situações de óbvia ilegalidade e de corrupção na sua cidade. No seu blogue, "Podium Scriptae", e depois de apresentar queixa no Ministério Público, apresenta documentos, fotografias, indícios de falsificação de documentos oficiais. Enfim, um sem número de evidências espera que as autoridades ou algum dos jornais locais, como o "Diário de Coimbra" ou o jornal "As Beiras", pegue no assunto e investigue. No entanto, uma noite de silêncio abateu-se sobre as suas denúncias. Imagino que o mesmo se passe em outras cidades do país.
Há duas semanas soube da extensão do problema quando li que o director do jornal Público foi ameaçado pelo Primeiro-Ministro antes de denunciar as peculiaridades que envolviam a licenciatura de José Sócrates. Disse o chefe de governo: "Fiquei com uma boa relação com o seu accionista e vamos ver se isso não se altera." Esta ameaça é temível porque, obviamente, as decisões de um governo valem fortunas e não há empresa que lhes possa escapar. Sabemos agora que os mais altos responsáveis políticos pressionam os media de formas indignas de um regime democrático. Se nada acontece quando o primeiro-ministro ameaça o director de um jornal, o que não se passará por esse país fora? Também ficámos a saber que na Câmara de Lisboa se comprava cumplicidades oferecendo casas a artistas e jornalistas. Entre os envolvidos, encontramos o filho de um ex-Presidente da República, um ex-ministro, um ex-Primeiro-Ministro e um ex-Presidente da República. Naturalmente que, assim, dificilmente há jornalismo de investigação. É pena. O país agradecia.

Luís Aguiar-Conraria
Professor de Economia da Universidade do Minho
Artigo de opinião publicada no jornal 'Público'
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